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Projeto sobre direitos dos idosos no Congresso Nacional não avança; IBDFAM divulga nota técnica

Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos aguarda aprovação há mais de sete anos
Apesar de ter sido assinada pelo Brasil em 2015, a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos aguarda, desde 2018, votação no Plenário da Câmara dos Deputados. Em nota técnica divulgada nesta semana, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM manifestou preocupação com a paralisação do Projeto de Decreto Legislativo – PDC 863/2017, que aprova o texto da Convenção.
A Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos estabelece proteção jurídica específica contra abandono e negligência familiar, discriminação etária, violência doméstica, abusos financeiros e violação de direitos fundamentais. Com a ratificação, haveria a tipificação específica de condutas violadoras dos direitos dos idosos, além de acesso a mecanismos internacionais de proteção, fortalecimento das políticas públicas e proteção jurídica internacional adequada a essa população.
Na Câmara dos Deputados, o projeto foi incluído em pauta em múltiplas ocasiões em 2023, sem apreciação, e novamente em 18 de junho de 2025, quando mais uma vez não houve deliberação efetiva da matéria.
Na nota técnica, o IBDFAM defende que a paralisação configura descumprimento do regime de urgência estabelecido regimentalmente. “Este padrão sistemático de inclusões seguidas de não apreciação perpetua estado de indefinição legislativa sobre tema de relevância fundamental para mais de 31 milhões de cidadãos idosos brasileiros”, diz um trecho do documento.
Leia aqui a íntegra da nota técnica divulgada pelo IBDFAM.
A advogada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional da Pessoa Idosa do IBDFAM, explica que a estagnação legislativa enfraquece a capacidade de proteger os idosos de forma efetiva e também compromete o protagonismo do país no cenário internacional.
“A estagnação do PDC 863/2017 tem consequências graves e imediatas. Não se trata apenas de um atraso no processo legislativo, mas de uma omissão institucional que impacta diretamente milhões de idosos. A ausência da Convenção no ordenamento interno brasileiro impede a criação de políticas mais eficazes, dificulta a responsabilização por abusos e limita o acesso à justiça em casos de violência, especialmente no contexto familiar”, detalha a especialista.
Necessidade urgente
De acordo com Maria Luiza Póvoa Cruz, conceder à Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos o status de emenda constitucional significa incorporá-la ao bloco de constitucionalidade, como previsto no § 3º do art. 5º da Constituição Federal. Isso exige sua aprovação por quórum qualificado — três quintos dos votos, em dois turnos, tanto na Câmara quanto no Senado.
Esse reconhecimento fortalece o alcance e a eficácia dos direitos nela previstos, garantindo que seus dispositivos sejam aplicados com peso constitucional. Na prática, esclarece Maria Luiza Póvoa, isso confere maior segurança jurídica, reforça a proteção nos tribunais e orienta a formulação de políticas públicas específicas. “Também assegura que, em caso de violação, os idosos tenham amparo legal robusto e compatível com os princípios da dignidade humana.”
A advogada percebe a aprovação da Convenção “como uma necessidade urgente, não apenas jurídica, mas também ética e humanitária, pois o Brasil vive um processo acelerado de envelhecimento populacional”.
“Hoje, mais de 31 milhões de brasileiros têm mais de 60 anos, e esse número cresce a cada ano. Essa realidade exige uma resposta legislativa firme e atualizada, que assegure direitos e garanta dignidade”, observa.
Na prática, conforme a diretora nacional do IBDFAM, a inércia impacta nos altos índices de subnotificação de maus-tratos, no abandono, na insegurança patrimonial e no despreparo institucional para lidar com uma população idosa crescente e cada vez mais vulnerável. “Sentimos isso diariamente no atendimento às famílias, nos relatos dos profissionais e nas demandas judiciais que chegam aos tribunais.”
Segundo ela, o envelhecimento ainda é tratado com desatenção nas agendas políticas. “Existe um silêncio social em torno da velhice — reflexo de um etarismo estrutural que também se expressa na inércia legislativa.”
“A baixa mobilização em torno dessa pauta, somada à falta de pressão pública e de articulação política consistente, contribui para que temas fundamentais, como o da Convenção, sejam sistematicamente deixados de lado”, pontua.
Maria Luiza Póvoa lembra ainda que a proposta já foi aprovada por unanimidade nas comissões temáticas da Câmara. “Portanto, não há controvérsia técnica ou jurídica. Falta decisão política.”
“Como presidente da Comissão da Pessoa Idosa do IBDFAM, venho reiterando: essa aprovação é uma questão de justiça social. Não podemos mais negligenciar os direitos de uma população que construiu este país e merece envelhecer com dignidade, amparo e respeito”, frisa.
Direitos fundamentais
Para a diretora nacional do IBDFAM, a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos representa uma verdadeira conquista civilizatória. “Ela preenche lacunas importantes ao estabelecer, com clareza, conceitos como abandono, negligência, violência e discriminação com base na idade, que ainda não encontram definição suficiente na legislação brasileira.”
“Além disso, garante direitos fundamentais como o direito à vida com dignidade, à autonomia, aos cuidados continuados, à proteção patrimonial e ao consentimento informado no âmbito da saúde. No que se refere às relações familiares, a Convenção valoriza o papel compartilhado entre Estado, família e comunidade na proteção da pessoa idosa, promovendo a convivência intergeracional e combatendo o abandono”, explica.
Segundo a advogada, o texto está totalmente alinhado às reflexões desenvolvidas pelo IBDFAM, “especialmente ao reconhecer que a estrutura familiar precisa estar amparada por normas que garantam cuidado, afeto e respeito na velhice”.
“Em nome do IBDFAM, instituição que há décadas atua na defesa das famílias em todas as fases da vida, reforço: é essencial que o Congresso aprove, com urgência, o PDC 863/2017. A proteção das pessoas idosas não pode mais ser postergada”, enfatiza.
Resistência
A advogada Patricia Novais Calmon, presidente da Comissão da Adoção e do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Espírito Santo – IBDFAM-ES, afirma que a paralisação injustificada revela falta de priorização política para questões relacionadas aos direitos da população idosa. “O PDC 863/2017 foi aprovado por unanimidade em todas as comissões competentes da Câmara dos Deputados e está pronto para votação no Plenário, mas sistematicamente é incluído em pauta sem ser efetivamente apreciado.”
“Não há resistência técnica ou jurídica ao projeto – afinal, foi aprovado unanimemente –, mas sim ausência de vontade política para colocar em votação um tema que deveria ser prioritário em um país com mais de 31 milhões de idosos”, comenta.
De acordo com a advogada, a Convenção representa o primeiro instrumento internacional específico de caráter multilateral a regulamentar os direitos humanos da pessoa idosa, constituindo marco histórico na tutela normativa deste segmento. “A inércia legislativa contraria o princípio da proteção integral previsto no art. 2º do Estatuto da Pessoa Idosa e representa descumprimento do dever constitucional de amparo às pessoas idosas estabelecido no art. 230 da Constituição da República.”
Para Patrícia Calmon, a paralisação não é uma resistência, mas “uma inércia preocupante que reflete a baixa priorização política dos direitos dos idosos no Brasil”.
“Esta inércia pode ser caracterizada como uma forma de violência sociopolítica contra a pessoa idosa, materializada por meio da violência no contexto social e político e vinculada às estruturas da desigualdade social. Representa, em última análise, uma manifestação de etarismo institucional, que seria uma discriminação generalizada às pessoas inseridas neste grupo social”, avalia.
Ela acrescenta: “Esta inércia é particularmente grave quando consideramos que a violência contra a pessoa idosa é crescente, manifestando-se por meio da violência sociopolítica, institucional e intrafamiliar”.
Como exemplo, a advogada cita as fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em que quase 3,3 milhões de aposentados e pensionistas tiveram valores descontados indevidamente de seus benefícios por entidades não autorizadas, resultando em prejuízos estimados em R$ 1,8 bilhão. “A inércia na apreciação da matéria contraria não apenas o interesse público, mas também compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.”
Conscientização
Patricia Novais Calmon acredita que a sociedade civil tem papel fundamental para romper este ciclo de inércia. “O IBDFAM, como instituto especializado na proteção dos direitos fundamentais nas relações familiares, atua em duas frentes principais: técnica e de mobilização.”
“Na frente técnica, produz análises jurídicas aprofundadas, como esta nota técnica, demonstrando a relevância e urgência da aprovação. Na frente de mobilização, busca sensibilizar a opinião pública, parlamentares e outros atores relevantes sobre a gravidade da situação”, ressalta.
Segundo a especialista, é essencial que a sociedade civil acompanhe a tramitação, cobre transparência na agenda legislativa e pressione por uma votação efetiva. “A Convenção trata de questões centrais do Direito de Família, como proteção contra abandono, violência doméstica e abusos financeiros – áreas de atuação direta do IBDFAM.”
“O artigo 3º, § 1º, VII, do Estatuto da Pessoa Idosa, determina que a garantia de prioridade integral deve compreender ‘o estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento’. Nesse contexto, a atuação da sociedade civil reveste-se de caráter essencial para o cumprimento desta diretriz normativa, especialmente considerando que a Política Nacional do Idoso estabelece que ‘o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos’”, pondera.
De acordo com Patrícia, a mobilização deve visar não apenas a aprovação da Convenção, mas também a construção de uma nova percepção social sobre o envelhecimento, combatendo estereótipos negativos e promovendo o conceito de envelhecimento ativo e saudável.
Múltiplas dimensões
Na visão da presidente da Comissão da Adoção e do Idoso do IBDFAM-ES, a aprovação teria impacto simbólico e político significativo em múltiplas dimensões.
“Simbolicamente, demonstraria que o Brasil honra seus compromissos internacionais e prioriza a proteção de sua população mais vulnerável em um contexto de envelhecimento acelerado. Politicamente, alinharia o Brasil aos demais países da região neste tema, permitindo participação ativa nos mecanismos de acompanhamento da Convenção e no Comitê de Peritos, instrumentos fundamentais para desenvolvimento de políticas públicas eficazes”.
Além disso, ela entende que a ratificação garantiria aos cidadãos idosos brasileiros o acesso ao sistema de petições individuais perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, quando necessário, à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos para casos de violação dos direitos estabelecidos na Convenção.
“Estamos diante de um momento histórico na evolução dos direitos da pessoa idosa. Desde a Constituição de 1988, que trouxe disposições específicas sobre este segmento social de forma inovadora, até a criação da Política Nacional do Idoso em 1994 e do Estatuto da Pessoa Idosa em 2003, o Brasil tem construído um arcabouço normativo robusto”, complementa.
Segundo Patrícia, a ratificação da Convenção representaria a culminação deste processo evolutivo. “A aprovação fortaleceria a posição brasileira nas discussões sobre envelhecimento na América Latina, tema cada vez mais relevante devido à transição demográfica regional. No plano interno, sinalizaria maturidade institucional e compromisso efetivo com a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República.”
“A Convenção representa o primeiro e único tratado internacional específico para proteção integral dos direitos dos idosos. Sua ratificação colocaria o Brasil na vanguarda da proteção internacional desta população, demonstrando alinhamento com os princípios orientadores do direito das pessoas idosas: proteção integral, prioridade absoluta, autonomia, independência e envelhecimento ativo e saudável”, conclui a advogada.
Por Débora Anunciação
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